segunda-feira, 5 de março de 2012

Atitude Filosófica e Atitude Crítica



Helena Novais — mhelenanovais@gmail.com

Desde nosso nascimento, tomamos parte em uma realidade culturalmente e socialmente construída. Nos é ensinado como devemos interpretar o que vemos e como reagir diante da realidade, o que devemos sentir e até mesmo como devemos pensar. ARANHA e MARTINS (1997, p. 273) afirmam que “o mundo cultural é um sistema de signos já estabelecidos por outros (...) conforme atendemos ou transgredimos os padrões, os comportamentos somos avaliados como bons ou maus”. O filósofo, no entanto, desconfia da realidade, das normas e das regras, não se acomoda diante do mundo de aparências, almeja conhecer aquilo que não está diante de seus olhos, aquilo que não entende, que não percebe. Diz “não” ao estabelecido, questiona suas causas e sentidos. Procurando por respostas para suas indagações, assume uma atitude racional e crítica diante do mundo.

CHAUÍ (2004, p. 16) explica que “quando o que era objeto de crença aparece como algo contraditório ou problemático e por isso se transforma em indagação ou interrogação, estamos passando da atitude costumeira à atitude filosófica”. Esta autora ressalta que a atitude filosófica tem início quando se começa a questionar sobre a essência e a estrutura da coisas (seres, ideias, valores, acontecimentos, comportamentos, relações, etc.), sobre sua origem e finalidade. Trata-se da busca por um conhecimento exterior ao próprio pensamento.

Alguém que adota a atitude filosófica toma “distância da vida cotidiana e de si mesmo” e passa a “indagar o que são as crenças e os sentimentos que alimentam, silenciosamente, nossa existência” (CHAUÍ, 2004, p. 17),. Entende-se, portanto, que atitude crítica é aquela adotada pelo indivíduo que questiona a realidade, seus sentidos essenciais e causas, e se propõe refletir, dando início a um processo de conhecimento que acaba por voltar-se para si mesmo, levando-o a cumprir o que dizia o oráculo de Delfos: ‘Conhece a ti mesmo’. Ele começa a se perguntar a razão de seus próprios sentimentos e crenças, o que são estes sentimentos e crenças.

A palavra “crítica” é de origem grega. Entre os sentidos principais destacam-se: capacidade de discernimento e de julgamento correto; capacidade de exame racional com isenção de preconceitos e pré-julgamentos; atividade de exame e avaliação detalhada. BEDIN (2007, p. 37) lembra que a consciência ingênua implica uma “percepção pouco analítica das coisas em que o indivíduo posiciona-se, face aos desafios, com simplicidade, sem se aprofundar nas causas reais geradoras deste ou daquele problema, concluindo, em decorrência, por resultados superficiais e por soluções pouco objetivas”. Este autor entende que o sujeito de consciência ingênua orienta-se antes pela intuição, pela emoção e pouco pela razão. A atitude crítica, ao contrário, realiza-se em um processo racional que envolve a análise do pensamento, a argumentação, o embate de ideias contrárias.

A atitude crítica, portanto, é aquela que submeter crenças estabelecidas à análise de seus significados, sentidos e motivações profundas e essenciais. FREIRE apud BEDIN (2007, p. 37) defende que é própria da consciência ingênua “a aceitação das formas gregárias e massificadoras de comportamento; fragilidade na discussão dos problemas; forte conteúdo emocional com prejuízo da criticidade; tendências ao fanatismo e ao sectarismo; postura de fé nas compressões mágicas”.

Baseada na reflexão racional, a atitude crítica é inerente à atitude filosófica. Ao questionar a realidade, o filósofo está estabelecendo uma crítica a seu objeto de reflexão e àquilo que o envolve. ARANHA e MARTINS (1997, p. 74-75), fazendo referência ao pensamento do Professor Demerval Saviani, afirmam que “o filósofo deve dispor de um método claramente explicitado a fim de proceder com rigor, garantindo a coerência e o exercício da crítica”.

Refletir vem do latim reflectere e significa “fazer retroceder”, “voltar atrás” (ARANHA e MARTINS, 1997, p. 74). Em um processo de busca por respostas aos questionamentos levantados pelo filósofo, o pensamento, examina o que é pensado por ele e volta-se sobre si mesmo. CHAUÍ (2004, p. 20) explica este ciclo e define reflexão filosófica ao afirmar que esta é o estado de “concentração mental em que o pensamento volta-se para si próprio para examinar, compreender e avaliar suas ideias, suas vontades, seus desejos e sentimentos”. De acordo com explicações da autora, é característica da reflexão filosófica indagar “Por quê?”, “O quê?” e “Para quê?”.

Ao buscar respostas, o pensamento, fazendo uso dos códigos de linguagem, analisa valores e ações, ideias e sentidos, seres e estruturas, comportamentos e relações, entre outros fatores, em busca das essências. CHAUÍ (2004, p. 21) esclarece que a reflexão filosófica é sistemática, isto é, “trabalha com enunciados precisos e rigorosos, busca encadeamentos lógicos entre os enunciados, opera com conceitos ou ideias obtidas por procedimentos de demonstração e prova, exige a fundamentação racional do que é enunciado e pensado”. Desta forma, a reflexão filosófica pode levar a uma visão crítica dos elementos que compõem nossa realidade cotidiana.


Referências Bibliográficas

ARANHA, Maria L. A. A.; MARTINS, Maria H. Pires. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 1997.

BEDIN, Fermino. Metodologia: o caminho da ciência. São Paulo: Edicon, 2007.

CHAUÍ, Marilena de Souza. Convite à Filosofia. 13 ed. São Paulo: Ática, 2004.

Nenhum comentário:

Postar um comentário