Helena Novais — mhelenanovais@gmail.com
A vida cotidiana, baseada no senso comum, se desenvolve a partir de crenças e aceitação de ideias estabelecidas que, aprendidas à partir de nosso nascimento, constituem um mundo estruturado por relações de causas e efeitos aparentemente coerentes. Tudo parece estar em seu devido lugar e as explicações comuns parecem ser as mais adequadas e mesmo óbvias. A Filosofia começa quando, ao verificar contradições e incompatibilidades (por vezes sutis) entre realidade, opiniões e crenças, o indivíduo passa a desejar uma compreensão racional de tudo que o cerca, admitindo sua própria ignorância.
Para CHAUÍ (2004, p. 18), “a Filosofia surge quando os seres humanos começam a exigir provas e justificações racionais que validem ou invalidem as crenças cotidianas”. Assim, a Filosofia tem origem em momentos de crise, caracterizados pela desconfiança (quando se assume que ser e parecer, ou seja, verdade e aparência, podem não ser o mesmo), pelo espanto diante das novas possibilidades de entendimento, interpretação e conhecimento, aliados ao reconhecimento do próprio desconhecimento e ao desejo de buscar por respostas à partir de atitude crítica e da reflexão filosófica.
A crise é inerente ao surgimento da Filosofia, se fazendo notar à medida que nasce o pensamento autônomo, liberto das amarras, normas e explicações estabelecidas. Ao questionar as instituições, comportamentos socialmente esperados e crenças socialmente aceitas, surgem conflitos. CHAUÍ (2004, p. 15) destaca:
Cremos que nossa vontade é livre para escolher entre o bem e o mal. Cremos também na necessidade de obedecermos às normas e às regras de nossa sociedade. Que acontece, porém, quando numa situação, nossa vontade nos indica que é bom fazer ou querer algo que nossa sociedade proíbe ou condena? Ou, ao contrário, quando nossa vontade julga que será um mal e uma injustiça querer ou fazer algo que nossa sociedade exige ou obriga?
A relação entre crise e Filosofia, no entanto, se estabelece não apenas devido aos conflitos sociais. A crise pode se estabelecer, também, devido à própria percepção da realidade natural e da situação individual. A autora ressalta:
Temos a crença na liberdade, mas somos dominados pelas regras de nossa sociedade. Temos a experiência do tempo parado ou do tempo ligeiro, mas o relógio não comprova essa experiência. Temos a percepção do Sol e das estrelas em movimento em volta da Terra imóvel, mas a astronomia nos ensina o contrário. (CHAUÍ, 2004, p. 16)
Enquanto processo de busca pelo conhecimento, a Filosofia conduz por caminhos inesperados que, frequentemente, faz ruir conceitos e crenças sobre as quais se desenvolve a vida cotidiana de indivíduos e de sociedades inteiras, levando a questionamentos sem nunca oferecer respostas definitivas e ou absolutas.
Em texto introdutório à sua obra, ARANHA e MARTINS (1997, s/n) afirmam que “a Filosofia oferece condições teóricas para a superação da consciência ingênua”. O processo de pensamento filosófico, no entanto, é inseparável da atitude crítica. As autoras explicam que a superação da consciência ingênua é impulsionada pela crítica, entendida como exame racional que proporciona o discernimento, a avaliação e o exame pormenorizado de uma ideia ou coisa.
Para ARANHA e MARTINS (1997, s/n), é pela atitude crítica que a “experiência vivida é transformada em experiência compreendida, isto é, um saber a respeito dessa experiência”. Por outro lado, discorrendo sobre a atitude filosófica, CHAUÍ (2004, p. 18) afirma que esta é um atitude crítica, pois corresponde aos “significados da noção de crítica, a qual, como se observa, é inseparável da noção de racional”. Assim, Filosofia e crítica são atividades intimamente relacionadas.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
ARANHA, Maria L. A. A.; MARTINS, Maria H. Pires. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 1997.
BEDIN, Fermino. Metodologia: o caminho da ciência. São Paulo: Edicon, 2007.
CHAUÍ, Marilena de Souza. Convite à Filosofia. 13 ed. São Paulo: Ática, 2004.
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