Helena Novais – mhelenanovais@gmail.com (1)
Entendendo o meio ambiente como um sistema de inter-relações, na qual o homem toma parte inevitavelmente, a partir dos anos 60, ecologistas passaram a chamar a atenção para os impactos causados pela exploração dos recursos naturais, e a defender a preservação dos chamados “santuários ecológicos”.
Ao longo de todo o século XX, o desenvolvimento da sociedade capitalista e os movimentos ecológicos coexistiram e vieram a colidir na década de 1970, quanto pesquisas demonstraram os níveis alarmantes de degradação ambiental e a urgência da adoção de medidas que revertessem este quadro.
A noção de desenvolvimento sustentável surgiu, então, em substituição ao preservacionismo. A tecnologia passou a ser empregada de forma a garantir a inesgotabilidade dos recursos e a reverter os níveis de degradação ambiental. As empresas, então vistas como as grandes vilãs, foram intimadas pela opinião pública a se tornarem parceiras da sociedade na busca por qualidade de vida, ou seja, a se tornarem entidades socioambientalmente responsáveis.
Como resposta, na década de 1980, em âmbito administrativo, ganharam importância as estratégias de marketing voltadas para o aperfeiçoamento da imagem institucional das organizações empresarias. Inseridas em um mercado altamente competitivo, as empresas reconheceram como indispensável aparentar simpatia e adesão às causas sociais.
Assim, comunicação corporativa, programas de marketing social, marketing cultural, marketing verde tornaram-se itens necessários às grande corporações, que buscam atender as orientações legais do aparelho estatal, fidelizar clientes e garantir sua saúde financeira por meio de técnicas de gestão corporativa, tais como balanço social e accountabilly (2) e ética “corporativa”, que alia princípios éticos à ideologia industrial.
Este estado de coisas gerou um paradoxo: a sociedade, ameçada pelas consequências do impacto ambiental, detecta a necessidade de se adotar formas alternativas de vida, o que é defendido pelo discurso corporativo que, no entanto, prega a exploração sustentável dos recursos naturais.
A razão instrumentalizada, aplicada ao domínio da natureza, no âmbito da Administração científica, privilegia a busca por soluções que garantam a manutenção empresarial pela lucratividade. Explicando a dinâmica do discurso corporativo, MARCUSE (1969, p. 18) afirma que “agentes de publicidade moldam o universo da comunicação”. A mensagem corporativa é emitida por discursos que se apresentam privados das “etapas de cognição e validação”. Em outras palavras, a linguagem é empregada de forma “a expressar e a promover a identificação imediata da razão e do fato, da verdade e da verdade estabelecida, da essência e da existência, da coisa e de sua função”.
O encadeamento de signos que perfazem o discurso, a manipulação da interpretação das mensagens decorrente do bloqueio à livre transcendência dos significados das palavras, reduzem a compreensão de conceito como sustentabilidade, responsabilidade e qualidade de vida; os adequa ao jogo de aparências que favorecem a imagem institucional e os interesses empresariais.
Tal comunicação resulta em um tipo de condicionamento social, pois “as palavras e os conceitos tendem a coincidir, ou antes o conceito tende a ser absorvido pela palavra (...) A palavra se torna um clichê e, como tal, governa a palavra e a escrita. Assim, a comunicação evita o desenvolvimento genuíno do significado”(3). (MARCUSE, 1969, p. 93-94)
Desta forma, o conceito de “responsabilidade social” frequentemente surge associado ao conceito de “exploração sustentável do meio ambiente”, como se “exploração sustentável” e “responsabilidade” fossem conceitos universalmente e necessariamente vinculados. O mesmo ocorre com outras associações, tais como “qualidade de vida” e “manutenção da produtividade”; “bem estar individual” e valorização de interesses privados. E não apenas a linguagem, como também as ações corporativas incutem valores que ocultam significados, como ocorre com os programas de marketing social e cultural, que promovem a realização de eventos escolhidos pelas corporações, frequentemente deixando de privilegiar a diversidade, a regionalidade e a espontaneidade popular.
Atualmente, a humanidade vive um momento histórico único. Forçados pelo perigo provocado pelos alarmantes níveis de degradação ambiental, pobres e ricos, capitalistas e socialistas, opressores e oprimidos, são forçados a se reconhecerem reduzidos a uma fragilidade comum diante das forças da natureza, que a ciência não pode submeter.
É possível notar indícios que denunciam a sinceridade de propósitos no sentido de construir formas de vida inclusiva e sustentável (em sentido social ampliado) para um maior número possível de indivíduos. A exemplo de esforços neste sentido, se pode mencionar os questionamentos e os efeitos dos estudos do filósofo Peter Singer (4) e do economista Amartya Sen (5), entre tanto outros teóricos e práticos que buscam quebrar paradigmas, indo além de fórmulas prontas e discursos ideológicos.
Importante pensar, porém, as condições e possibilidades da livre concepção e aplicabilidade de novos modelos, apesar do condicionamento e do empobrecimento intelectual provocados pela linguagem viciada do discurso corporativo e da indústria cultural, tão criticados pelos frankfurtianos. A Filosofia e a educação encontram-se diante de uma necessidade prática renovada que, no entanto, apresenta novas características.
Assim, a ancestral questão da promoção do bem estar social ganha novos contornos e pede novas reflexões sobre as reais necessidades humanas, sobre a adequabilidade da postura empresarial, do sistema econômico e político à demanda social, sobre os meios de superação das amarras que impedem o surgimento de formas plenas e harmoniosas de existir e viver. Trata-se de um desfio que não pode ser encarado isoladamente, mas sim em interação multidisciplinar, em esforço renovado.
Referências Bibliográficas
ADORNO T. W.; HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
CHIAVENATO, Idalberto. Administração, teoria, processo e prática. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.
DONDIS, A. DONDIS. Sintaxe da Linguagem Visual. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
HORKHEIMER, M. Filosofia e Teoria Crítica. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
HORKHEIMER, M. Teoria Tradicional e Teoria Crítica. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
MARCUSE, Herbert. A ideologia da Sociedade Industrial: o homem unidimensional. 4 ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1973.
YANAZE, Mitsuro Higuchi. Gestão de Marketing: avanços e aplicações. São Paulo: Saraiva, 2007.
Notas
(1) Parciais de trabalho “Responsabilidade Socioambiental como Instrumento de Aperfeiçoamento da Imagem Institucional”, apresentado no XVI Simpósio Multidisciplinar da USJT, em 24.09.2010.
(2) Accountabilly. Transparência administrativa e empresarial baseada na prestação de informações referentes às atividades da empresa. Implica na elaboração de relatórios, folders, audiovisual, entre outros dispositivos, disponibilizados ao público
(3) Marcuse explica que os conceitos são tomados como substantivos necessariamente vinculados às suas funções. O todo é tomado pela parte. A totalidade do conceito (que envolve a causalidade, a universalidade, a necessidade, a não contradição) fica oculto pela relação entre objeto e sua função. Isso ocorre pelo encadeamento, pelo ordenamento, de palavras que ressaltam ou anulam certos significados umas das outras.
(4) Peter Singer. Filósofo. Desenvolveu importantes reflexões no âmbito da Ética. Colocou em questão a responsabilidade das classes mais abastadas pela erradicação da pobreza e estabelecimento de condições de vida digna para todos.
(5) Amartya Sen. Economista indiano, prêmio Nobel de 1998. Desenvolveu estudos sobre o conceito de pobreza, buscando ampliar e diversificar o instrumental analítico, possibilitando uma melhor compreensão de suas causas e efeitos.
Ao longo de todo o século XX, o desenvolvimento da sociedade capitalista e os movimentos ecológicos coexistiram e vieram a colidir na década de 1970, quanto pesquisas demonstraram os níveis alarmantes de degradação ambiental e a urgência da adoção de medidas que revertessem este quadro.
A noção de desenvolvimento sustentável surgiu, então, em substituição ao preservacionismo. A tecnologia passou a ser empregada de forma a garantir a inesgotabilidade dos recursos e a reverter os níveis de degradação ambiental. As empresas, então vistas como as grandes vilãs, foram intimadas pela opinião pública a se tornarem parceiras da sociedade na busca por qualidade de vida, ou seja, a se tornarem entidades socioambientalmente responsáveis.
Como resposta, na década de 1980, em âmbito administrativo, ganharam importância as estratégias de marketing voltadas para o aperfeiçoamento da imagem institucional das organizações empresarias. Inseridas em um mercado altamente competitivo, as empresas reconheceram como indispensável aparentar simpatia e adesão às causas sociais.
Assim, comunicação corporativa, programas de marketing social, marketing cultural, marketing verde tornaram-se itens necessários às grande corporações, que buscam atender as orientações legais do aparelho estatal, fidelizar clientes e garantir sua saúde financeira por meio de técnicas de gestão corporativa, tais como balanço social e accountabilly (2) e ética “corporativa”, que alia princípios éticos à ideologia industrial.
Este estado de coisas gerou um paradoxo: a sociedade, ameçada pelas consequências do impacto ambiental, detecta a necessidade de se adotar formas alternativas de vida, o que é defendido pelo discurso corporativo que, no entanto, prega a exploração sustentável dos recursos naturais.
A razão instrumentalizada, aplicada ao domínio da natureza, no âmbito da Administração científica, privilegia a busca por soluções que garantam a manutenção empresarial pela lucratividade. Explicando a dinâmica do discurso corporativo, MARCUSE (1969, p. 18) afirma que “agentes de publicidade moldam o universo da comunicação”. A mensagem corporativa é emitida por discursos que se apresentam privados das “etapas de cognição e validação”. Em outras palavras, a linguagem é empregada de forma “a expressar e a promover a identificação imediata da razão e do fato, da verdade e da verdade estabelecida, da essência e da existência, da coisa e de sua função”.
O encadeamento de signos que perfazem o discurso, a manipulação da interpretação das mensagens decorrente do bloqueio à livre transcendência dos significados das palavras, reduzem a compreensão de conceito como sustentabilidade, responsabilidade e qualidade de vida; os adequa ao jogo de aparências que favorecem a imagem institucional e os interesses empresariais.
Tal comunicação resulta em um tipo de condicionamento social, pois “as palavras e os conceitos tendem a coincidir, ou antes o conceito tende a ser absorvido pela palavra (...) A palavra se torna um clichê e, como tal, governa a palavra e a escrita. Assim, a comunicação evita o desenvolvimento genuíno do significado”(3). (MARCUSE, 1969, p. 93-94)
Desta forma, o conceito de “responsabilidade social” frequentemente surge associado ao conceito de “exploração sustentável do meio ambiente”, como se “exploração sustentável” e “responsabilidade” fossem conceitos universalmente e necessariamente vinculados. O mesmo ocorre com outras associações, tais como “qualidade de vida” e “manutenção da produtividade”; “bem estar individual” e valorização de interesses privados. E não apenas a linguagem, como também as ações corporativas incutem valores que ocultam significados, como ocorre com os programas de marketing social e cultural, que promovem a realização de eventos escolhidos pelas corporações, frequentemente deixando de privilegiar a diversidade, a regionalidade e a espontaneidade popular.
Atualmente, a humanidade vive um momento histórico único. Forçados pelo perigo provocado pelos alarmantes níveis de degradação ambiental, pobres e ricos, capitalistas e socialistas, opressores e oprimidos, são forçados a se reconhecerem reduzidos a uma fragilidade comum diante das forças da natureza, que a ciência não pode submeter.
É possível notar indícios que denunciam a sinceridade de propósitos no sentido de construir formas de vida inclusiva e sustentável (em sentido social ampliado) para um maior número possível de indivíduos. A exemplo de esforços neste sentido, se pode mencionar os questionamentos e os efeitos dos estudos do filósofo Peter Singer (4) e do economista Amartya Sen (5), entre tanto outros teóricos e práticos que buscam quebrar paradigmas, indo além de fórmulas prontas e discursos ideológicos.
Importante pensar, porém, as condições e possibilidades da livre concepção e aplicabilidade de novos modelos, apesar do condicionamento e do empobrecimento intelectual provocados pela linguagem viciada do discurso corporativo e da indústria cultural, tão criticados pelos frankfurtianos. A Filosofia e a educação encontram-se diante de uma necessidade prática renovada que, no entanto, apresenta novas características.
Assim, a ancestral questão da promoção do bem estar social ganha novos contornos e pede novas reflexões sobre as reais necessidades humanas, sobre a adequabilidade da postura empresarial, do sistema econômico e político à demanda social, sobre os meios de superação das amarras que impedem o surgimento de formas plenas e harmoniosas de existir e viver. Trata-se de um desfio que não pode ser encarado isoladamente, mas sim em interação multidisciplinar, em esforço renovado.
Referências Bibliográficas
ADORNO T. W.; HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
CHIAVENATO, Idalberto. Administração, teoria, processo e prática. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.
DONDIS, A. DONDIS. Sintaxe da Linguagem Visual. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
HORKHEIMER, M. Filosofia e Teoria Crítica. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
HORKHEIMER, M. Teoria Tradicional e Teoria Crítica. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
MARCUSE, Herbert. A ideologia da Sociedade Industrial: o homem unidimensional. 4 ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1973.
YANAZE, Mitsuro Higuchi. Gestão de Marketing: avanços e aplicações. São Paulo: Saraiva, 2007.
Notas
(1) Parciais de trabalho “Responsabilidade Socioambiental como Instrumento de Aperfeiçoamento da Imagem Institucional”, apresentado no XVI Simpósio Multidisciplinar da USJT, em 24.09.2010.
(2) Accountabilly. Transparência administrativa e empresarial baseada na prestação de informações referentes às atividades da empresa. Implica na elaboração de relatórios, folders, audiovisual, entre outros dispositivos, disponibilizados ao público
(3) Marcuse explica que os conceitos são tomados como substantivos necessariamente vinculados às suas funções. O todo é tomado pela parte. A totalidade do conceito (que envolve a causalidade, a universalidade, a necessidade, a não contradição) fica oculto pela relação entre objeto e sua função. Isso ocorre pelo encadeamento, pelo ordenamento, de palavras que ressaltam ou anulam certos significados umas das outras.
(4) Peter Singer. Filósofo. Desenvolveu importantes reflexões no âmbito da Ética. Colocou em questão a responsabilidade das classes mais abastadas pela erradicação da pobreza e estabelecimento de condições de vida digna para todos.
(5) Amartya Sen. Economista indiano, prêmio Nobel de 1998. Desenvolveu estudos sobre o conceito de pobreza, buscando ampliar e diversificar o instrumental analítico, possibilitando uma melhor compreensão de suas causas e efeitos.
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